por Ruam Oliveira
18 de julho de 2025
O estado do Piauí consolidou-se como o primeiro do Brasil a implementar integralmente um currículo de inteligência artificial em sua rede de ensino. A iniciativa ganhou destaque durante seminário promovido pelo MEC (Ministério da Educação), em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
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Desde que a inteligência artificial (IA) passou a ocupar espaço central nos debates educacionais, cresce a preocupação sobre como incorporá-la de forma intencional, ética e responsável nas salas de aula. Estudantes e professores já fazem uso dessas tecnologias em suas atividades, e contar com orientações claras sobre sua aplicação, considerando aspectos éticos e os objetivos de aprendizagem, é essencial.
Rodrigo Torres, superintendente da Secretaria de Educação do Piauí, destacou que o estado apostou em um projeto de longo prazo, com ações planejadas para os próximos 30 anos.
Mas como começar a usar a IA se muitos estudantes ainda precisam desenvolver habilidades básicas, como interpretação de texto, operações matemáticas ou diferentes tipos de letramento? Para Rodrigo, é preciso promover essas aprendizagens de forma simultânea: “Não tem como resolver um [aspecto] para esperar e resolver o outro. A gente tem que fazer tudo ao mesmo tempo”, afirmou.
Uma das soluções adotadas foi o investimento no ensino em tempo integral. “O tempo integral nos permite isso, não apenas mais horas de aula, mas um currículo moderno que se conecta com a realidade do mundo atual”, reforçou. Atualmente, cerca de 120 mil estudantes do estado, do 9º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, têm acesso a aulas de IA.
A implementação de um currículo robusto de IA requer a formação de professores preparados para atuar nessa área. Questionado sobre os critérios utilizados para atrair e formar educadores, Rodrigo explicou que o primeiro passo é selecionar docentes com disposição para aprender. Além de perfil inovador e aberto a novas práticas, o educador que o Piauí busca é engajado e colaborativo.
“Eles não veem isso como um fardo, mas como uma oportunidade, ainda mais por ser um tema em alta”, comentou Rodrigo
A rede estadual firmou parcerias com a Unipampa (Universidade Federal do Pampa), a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e o IFFAR (Instituto Federal Farroupilha) para desenvolver formações específicas na área. Além de encontros presenciais, os professores também contam com o acompanhamento de tutores durante o processo formativo.
Paula Menezes, professora da Faculdade de Educação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenadora do Edutecia (Observatório das Tecnologias e IA na Educação), argumentou que o atual momento revela um paradoxo.
Por um lado, há uma crescente demanda do mercado por competências como trabalho em equipe e criatividade no uso de IA. Por outro, algumas pesquisas apontam para uma queda na originalidade, na criatividade e na retenção de memória entre as pessoas.
O Edutecia está construindo um banco de evidências para apoiar pesquisadores e profissionais que atuam com IA na educação. Paula enfatizou a importância de uma leitura crítica dessas evidências: “A gente procura ter uma leitura mais histórica. É muito difícil acompanhar, o entusiasmo em torno do tema faz com que as abordagens variem muito”, afirmou.
Segundo ela, é essencial considerar não apenas os dados em si, mas também os valores por trás da análise: “As evidências não são neutras, e metodologias diferentes produzem resultados distintos”, destacou.
Ela também defendeu que o ensino sobre algoritmos deve vir acompanhado de reflexões éticas, integrando conhecimento técnico com saberes humanos e sociais.
Compreender o cenário da IA no Brasil e no mundo exige pesquisas que considerem as vivências de quem está no cotidiano escolar. Graziela Castelo, pesquisadora do Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), compartilhou dados preliminares de uma pesquisa em andamento.
Previsto para ser publicado no final do ano, o estudo parte de duas perguntas centrais: “IA para quê?” e “IA por quê?”, direcionadas a estudantes e professores.
“A ideia é entender onde estamos e para onde vamos”, explicou Graziela.
A pesquisa foi realizada com integrantes do governo, universidades, centros de pesquisa, sociedade civil, desenvolvedores de tecnologia e gestores escolares das redes pública e privada. No caso dos estudantes e professores, o foco recaiu sobre o ensino médio.
Entre os temas abordados, investigou-se como os jovens usam a IA na educação, se compreendem seus mecanismos e, no caso dos docentes, como avaliam o uso feito pelos alunos. Graziela destacou que muitos estudantes demonstraram interesse em aprender a utilizar a IA de forma crítica: “Eles querem saber como usar e desejam ser ensinados a verificar a veracidade das informações”, relatou.
Um sentimento recorrente entre os participantes foi o medo em relação ao futuro e às transformações que a IA pode trazer. “O medo paralisa, mas geralmente vem do desconhecimento”, ressaltou a pesquisadora.
Esse receio, no entanto, não é compartilhado por Samia Pinheiro Lopes, estudante do 9º ano da rede pública do Pará. Medalhista da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), ela conquistou o 34º lugar nacional na Olimpíada Nacional de Inteligência Artificial em 2025 e, em 2024, foi premiada no programa “Bora Estudar”, promovido pelo governo estadual.
Estudante do CISEB (Centro de Inovação e Sustentabilidade da Educação Básica), Samia relatou que tem sido incentivada a enxergar a IA como apoio, e não como ameaça. “Muitos de nós não temos medo de que a inteligência artificial nos substitua. Vemos como uma ferramenta que está aqui para nos ajudar, não para pensar ou agir por nós, mas para apoiar nosso aprendizado”, afirmou.