A crise de aprendizagem constitui há anos um dos principais desafios da educação no Brasil. A qualidade do ensino, em geral, é considerada fraca, e avaliações mostram que a maior parte dos estudantes não tem conhecimento adequado de disciplinas vistas nas escolas, como português, matemática e ciências.
Um livro lançado em junho pelo CPTE (Centro de Pesquisa Transdisciplinar em Educação) do Instituto Unibanco, centro de pesquisa parceiro do Nexo Políticas Públicas, analisa o problema e mostra que uma das respostas para a aprendizagem pode estar na gestão escolar, trabalho feito por diretores e coordenadores das escolas.
A publicação, chamada “Avaliação de impacto em educação: A experiência exitosa do programa Jovem de Futuro em parceria com o poder público”, divulga os resultados do Jovem de Futuro, programa do Instituto Unibanco que desde 2008 oferece capacitação para gestores de escolas públicas de ensino médio. A iniciativa é feita pelo centro em parceria com as secretarias de Educação estaduais.
A avaliação do CPTE mostra que, em mais de 10 anos, as escolas que participaram do Programa Jovem de Futuro viram as taxas de aprovação de seus estudantes aumentar. A proficiência em provas de português e matemática de ensino médio também melhorou, segundo o livro.
4,4 – pontos percentuais foi a evolução dos estudantes que participaram do Jovem de Futuro na proficiência em língua portuguesa, segundo o livro
4,8 – pontos percentuais foi a evolução dos estudantes que participaram do Jovem de Futuro na proficiência em matemática, segundo o livro
1,4 – ponto percentual foi a evolução da taxa de aprovação nas escolas que participaram do Jovem de Futuro
4,2 – pontos percentuais foi a proporção de estudantes que participaram do Jovem de Futuro e deixaram de estar no nível mais crítico de proficiência em matemática, segundo o livro
A iniciativa mostra um impacto relevante, num contexto em que o ensino médio no Brasil parece ter estagnado, segundo Mirela de Carvalho, gerente de gestão de conhecimento do Instituto Unibanco e membro do CPTE. “[Cinco pontos a mais] é muito ou pouco? Depende”, disse ao Nexo Políticas Públicas. “É menos do que o Brasil precisa, porque nosso problema é grande. Mas garantir esses pontos é muito bom. É quase o mesmo impacto de colocar uma série a mais no ensino médio.”
A avaliação do programa foi feita a partir de um método chamado avaliação experimental, no qual grupos (no caso, grupos de escolas) com características semelhantes foram divididos aleatoriamente e analisados pelos pesquisadores. A única diferença entre as escolas nos grupos era que algumas participam do Programa Jovem de Futuro e outras, não.
Até o fim de 2019, a avaliação havia abarcado 1.161 escolas, divididas em 380 estratos (nome dado pelo estudo aos grupos de escolas com as mesmas características). A análise considerou escolas de nove estados onde o Jovem do Futuro atua ou já foi implementado, entre eles São Paulo, Goiás, Ceará e Piauí. A partir dos resultados, o Instituto Unibanco considera expandir o programa para outros lugares.
Qual o papel da gestão escolar
A gestão escolar é o processo pelo qual diretores e coordenadores organizam o trabalho, as pessoas e os recursos das escolas para atingir certos objetivos (como a melhoria da aprendizagem). Atuando como líderes, os gestores têm a função de observar as atividades de sua equipe e propor como melhorá-las.
A prática pode ser comparada à de um maestro, segundo Mirela de Carvalho. A gestão interfere na aprendizagem dos estudantes ao decidir sobre temas como o currículo escolar, as práticas dos professores, as atividades extraclasse e a administração de toda a escola, dentro e fora das salas de aula.
“O gestor não é um administrador, é um líder. Ele tem que ser inspirador. […] Estar numa escola com visão, proposta, com liderança engajadora, um clima bom, traz um sentimento de pertencimento e bem-estar que te faz querer estar ali. E é preciso querer ir à escola para aprender”
A relação entre gestão e aprendizagem pode parecer óbvia, mas, além da intuição, uma série de pesquisas comprovam esse elo. Entre os fatores escolares, a ação de gestores só se supera pela atuação de professores em termos de impacto no aprendizado, segundo o livro do CPTE (Centro de Pesquisa Transdisciplinar em Educação) do Instituto Unibanco.
A publicação cita um estudo do Departamento de Educação dos EUA segundo o qual certas práticas de gestão estão altamente relacionadas com a melhoria dos resultados gerais. São elas a liderança da direção, o foco na aprendizagem, o uso de dados e metas, a criação de estímulos para a equipe escolar e o reconhecimento do que é positivo.
Outro texto citado é “A Decade of Research on School Principals” (“Uma década de pesquisa sobre diretores de escolas”, em tradução livre), livro que compilou estudos de 24 países. A pesquisa concluiu que, em todos os lugares, diretores de escola estão sujeitos a cada vez mais escrutínio, devendo prestar contas pelo desempenho dos estudantes a governos e comunidades.
As práticas de liderança escolar são intensas em países com sistemas educacionais de alto desempenho, mas ainda recebem pouca atenção de formuladores de políticas públicas do Brasil, segundo o livro “Avaliação de impacto em educação”. As pesquisas sobre o tema na América Latina apontam “diversos problemas, contradições e falta de coerência interna e externa”.
“O gestor [no Brasil] é muito comprometido”, disse Mirela de Carvalho ao Nexo Políticas Públicas. Mas, segundo ela, não há marco de gestão no Brasil, uma política que oriente os gestores a como trabalhar nas escolas. “Faltam recursos, ferramentas. Qual método eu sigo? Que indicadores eu olho? Como eu organizo uma conversa? Como dou feedback para os professores?”
Para a gerente do Instituto Unibanco, o trabalho de gestão no Brasil é visto como “de herói”, ao qual as pessoas se dedicam muito, mas sem a profissionalização devida. Ao Nexo Políticas Públicas, Carvalho também disse que gestores escolares precisam de apoio dos órgãos centrais da Educação (que incluem secretarias e regionais de ensino) para conduzir suas atividades e sair do isolamento. “A gente vê escolas muito isoladas, sem troca, sem conversa”, afirmou.
Quais os desafios do ensino médio
A baixa performance do ensino médio no Brasil aparece há anos em indicadores do ensino público. A etapa, uma das mais sensíveis da educação básica, tem desafios como a baixa qualidade, a falta de professores e falta de interesse dos alunos nas atividades da escola.
A publicação do Instituto Unibanco conta que, em 2005, antes da criação do Programa Jovem de Futuro, apenas 5% dos jovens que estavam na 3ª série do ensino médio tinham aprendizado adequado em matemática nas escolas públicas estaduais. A taxa de abandono de estudantes da rede pública era de 18%, e a de reprovados, de 11%.
Atualmente, a nota média de matemática de estudantes nessa etapa é de 260 pontos (de 475), segundo dados da escala Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) do governo federal. A nota é a mesma de 2005. Já em língua portuguesa (cuja nota máxima do Saeb é de 425), houve avanço de 10 pontos, menos da metade do que foi visto no ensino fundamental.
DESEMPENHO EM MATEMÁTICA
DESEMPENHO EM PORTUGUÊS
A taxa de aprovação, por outro lado, melhorou em pouco mais de uma década. De 71,6% estudantes de ensino médio aprovados em 2007, o número subiu para 81,5% — o equivalente a 0,9 ponto percentual de evolução ao ano, segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do governo federal.
MAIS APROVADOS
Ao Nexo Políticas Públicas, Mirela de Carvalho disse que o ensino médio não é só difícil no Brasil, mas em todo o mundo. “Tem a ver com a faixa etária”, disse. “É uma transição para a vida adulta. O jovem pensa: o que vou fazer [depois da escola]? Sem trabalhar o sentido [da escola], a gente não consegue fazer os jovens quererem ficar e aprender”.
Para a gerente do Instituto Unibanco, como o ensino médio é uma etapa complexa, “o desafio de gerir uma escola assim é grande”. Além de ser mais difícil desenhar um currículo que atraia os jovens nessa etapa, há o desafio da maior quantidade de professores, por exemplo. “Como a gente tem uma lacuna de política para melhorar a gestão, as escolas de ensino médio têm precariedade maior ainda.”