Carreiras desejadas por jovens não combinam com formação e oportunidades. Por quê?

Relatório da OCDE desenvolvido a partir do Pisa 2022 mostra que 39% dos jovens não têm clareza sobre a carreira e destaca o papel da escola na construção do projeto de vida.

Um novo relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revela que adolescentes estão cada vez mais inseguros em relação ao futuro profissional. Quase 40% dos jovens de 15 anos não conseguem visualizar qual carreira seguirão aos 30 — o dobro do percentual registrado há menos de uma década. Muitos desenham um projeto de vida direcionado a profissões de prestígio, mas demonstram pouca clareza sobre os caminhos e as qualificações exigidas para alcançá-las.

A desigualdade social é um fator destacado: estudantes talentosos oriundos de famílias de baixa renda enfrentam mais obstáculos para sonhar com o ingresso na universidade do que colegas com baixo desempenho acadêmico pertencentes a famílias com maior poder aquisitivo.

📳 Inscreva-se no canal do Porvir no WhatsApp para receber nossas novidades

Intitulado “A preparação dos jovens para o mercado de trabalho no mundo” (“The State of Global Teenage Career Preparation”, disponivel em inglês), o estudo divulgado nesta terça-feira (20) foi elaborado com base na análise de dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), avaliação aplicada a estudantes de 15 anos. A prova abrange áreas como matemática, leitura e ciências, além de incluir questionários sobre aspectos da vida pessoal e escolar dos participantes.

Os resultados são baseados no ciclo PISA 2022, comparando-os com edições anteriores da avaliação, que remontam ao ano 2000. A edição realizada há três anos teve a participação de 690 mil adolescentes de 81 países. Junto com o relatório, a OCDE também lançou um painel interativo sobre desenvolvimento de carreira, que permite comparar as aspirações profissionais de estudantes.

“A incerteza importa porque gera hesitação. Jovens que não visualizam seu futuro tendem a investir menos esforço no presente e pesquisas longitudinais mostram que eles ingressam na vida adulta com perspectivas de emprego mais frágeis”, disse Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE em artigo no blog da entidade.

No texto, o diretor da OCDE demonstra como o sistema atual falha em conectar educação, aspirações e realidade profissional, perpetuando desigualdades. E não faltam sonhos. Para mudar esse quadro, jovens precisam de informação e acesso a oportunidades para transformar potencial em sucesso.

Ele menciona que aconselhamento vocacional, quando realizado de maneira adequada, tem bons resultados. “Evidências de dez países mostram que jovens de 15 anos que participam de atividades com empregadores [visitas a locais de trabalho, feiras de carreiras, conversas com profissionais] têm, uma década depois, probabilidade significativamente maior de estar empregados, com salários mais altos e satisfação no trabalho, pois fizeram escolhas educacionais mais informadas.”

A saída para escolas estaria na integração de experiências do mundo real ao currículo e oferecem orientação personalizada, elas fornecem aos jovens não apenas informações, mas também o capital social e a confiança em suas próprias competências para transformar qualificações em oportunidades. “Essas iniciativas podem começar já no ensino fundamental e ajudar a reduzir desigualdades socioeconômicas, além de suprir a demanda por trabalhadores qualificados em mercados dinâmicos, digitais e verdes”, disse o representante da OCDE.

Atenção ao projeto de vida

Embora os planos de carreira aos 15 anos não garantam que o jovem seguirá exatamente a profissão desejada, eles ajudam a prever caminhos mais prováveis. O mais relevante é que a certeza ou incerteza sobre o futuro profissional indica o quanto o estudante está refletindo ativamente sobre suas escolhas e seu projeto de vida.

Pesquisas indicam que a falta de clareza sobre a carreira na adolescência pode ter impactos negativos na vida profissional adulta. O documento menciona que, em uma meta-análise composta por 19 estudos, 15 deles revelaram que adolescentes sem planos definidos para o futuro apresentaram desempenho inferior no mercado de trabalho, mesmo quando tinham bom rendimento escolar e condições sociais semelhantes às de outros jovens. Dessa forma, ter um plano claro para o futuro faz diferença significativa.

Expectativas de carreiras dos estudantes

Os dados da OCDE mostram que as expectativas profissionais dos estudantes continuam altamente concentradas. Em 2022, as 10 áreas populares representaram, em média, as escolhas de 50% das meninas e 44% dos meninos. E mesmo diante de transformações econômicas e tecnológicas significativas, as aspirações profissionais dos estudantes mudaram pouco desde o início do século 21.

O estudo também explica que as expectativas de trabalho dos estudantes muitas vezes não acompanham a realidade do mercado. Muitos jovens querem trabalhar como profissionais em setores nos quais o número de vagas disponíveis é bem menor. Essa diferença entre o que os jovens esperam e o que o mercado oferece preocupa especialistas, pois pode trazer consequências como:

  • falta de profissionais em áreas com menos interesse;
  • dificuldade para as empresas contratarem;
  • jovens frustrados por não conseguirem atuar nas profissões que desejam.

Como falar sobre projetos de vida com estudantes

A escola tem um papel fundamental em ajudar os estudantes a construírem seus projetos de vida e a explorarem melhor as oportunidades para o futuro. A plataforma Planejador de Aulas, desenvolvida pelo Porvir e pelo Instituto iungo, foi criada justamente para apoiar esse processo. Ela oferece ferramentas que ajudam os professores a planejar aulas voltadas para o projeto de vida dos alunos, incentivando o autoconhecimento e a reflexão sobre seus objetivos.

Entre os conceitos centrais no trabalho com projetos de vida está o entendimento de suas três dimensões: a dimensão pessoal, relacionada ao autoconhecimento e à construção da identidade dos estudantes; a dimensão social, que envolve as relações que estabelecem com outras pessoas e com a comunidade; e a dimensão profissional, voltada às escolhas e aspirações de carreira.

A ferramenta também sugere temas alinhados às competências da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), facilitando a criação de planos coerentes com os currículos das redes de ensino e promovendo o compartilhamento entre professores que trabalham com temas semelhantes.

Tabela: As dez ocupações mais esperadas por meninas – média dos países da OCDE, PISA 2000 e PISA 2022

Posição Profissão (2000) % Profissão (2022) %
1 Professores 12,0 Médicos 12,2
2 Médicos 7,9 Professores 7,3
3 Advogados 4,5 Advogados 6,5
4 Psicólogos 3,6 Enfermeiros e parteiras 5,8
5 Enfermeiros e parteiras 3,4 Psicólogos 5,3
6 Cabeleireiros 3,4 Designers 3,7
7 Designers 2,8 Veterinários 2,9
8 Escritores 2,6 Arquitetos 2,7
9 Veterinários 2,5 Policiais 1,9
10 Escriturários gerais e digitadores 1,9 Atores 1,7
Total 44,5 Total 50,0
Fonte: Bases de dados PISA da OCDE, 2000 e 2022. Nota: Os dados sobre as expectativas ocupacionais mais populares entre meninas e meninos, para todos os países participantes do PISA 2022, estão disponíveis no painel de indicadores da OCDE

Tabela: As dez ocupações mais esperadas por meninos – média dos países da OCDE, PISA 2000 e PISA 2022

Posição Expectativa profissional (2000) % Expectativa profissional (2022) %
1 Profissionais de tecnologia da informação 7,9 Profissionais de tecnologia da informação 8,7
2 Engenheiros 5,4 Atletas 7,4
3 Atletas 4,5 Engenheiros 6,6
4 Professores 4,2 Médicos 5,2
5 Médicos 3,6 Professores 3,3
6 Mecânicos e reparadores de veículos automotores 2,9 Arquitetos 3,0
7 Advogados 2,3 Advogados 2,8
8 Arquitetos 2,3 Mecânicos e reparadores de veículos automotores 2,5
9 Policiais 2,0 Policiais 2,2
10 Profissionais de ciência e engenharia 1,9 Diretores gerais e executivos-chefes 2,2
Total 37,1 Total 44,0
Fonte: Bases de dados PISA da OCDE, 2000 e 2022. Nota: Os dados sobre as expectativas ocupacionais mais populares entre meninas e meninos, para todos os países participantes do PISA 2022, estão disponíveis no painel de indicadores da OCDE

Resumo dos principais achados do relatório da OCDE

  • Cada vez mais estudantes demonstram incerteza em relação aos seus planos de carreira, o que pode estar associado a resultados profissionais menos favoráveis no futuro.
  • As aspirações ocupacionais dos alunos tendem a se concentrar em um número limitado de profissões de nível superior, muitas vezes desconectadas da realidade do mercado de trabalho.
  • Diversos estudantes, especialmente aqueles provenientes de contextos socioeconômicos mais desfavorecidos, apresentam dificuldades para compreender quais passos precisam seguir para alcançar seus objetivos profissionais.
  • O contexto social revela-se um fator mais determinante do que o desempenho acadêmico – medido pelo Pisa – na definição dos planos dos jovens para o ensino superior.
  • Poucos estudantes participam de atividades de desenvolvimento profissional, que estão associadas a melhores resultados no mercado de trabalho.
  • Nos países membros da OCDE, estudantes de contextos mais privilegiados tendem a receber mais orientação profissional do que seus colegas de contextos menos favorecidos, justamente aqueles que mais necessitam desse suporte.
  • O interesse de meninas e meninos por áreas profissionais estratégicas, onde historicamente seu gênero é sub-representado, apresentou pouca variação ao longo da última geração.
  • Muitos estudantes sentem-se despreparados para o futuro e manifestam dúvidas sobre a contribuição efetiva de suas escolas na preparação para a vida profissional.

Dados do PISA 2022 (média dos países da OCDE, aos 15 anos):

  • 39% dos estudantes não têm clareza sobre suas expectativas de carreira.
  • 21% apresentam desalinhamento entre aspirações e planos: desejam exercer profissões que exigem formação universitária, mas não planejam concluir o ensino superior.
  • 33% não concordam com a afirmação “a escola me ensinou coisas úteis para um emprego”.

Participação em atividades de orientação profissional (até os 15 anos):

  • Apenas 35% dos estudantes participaram de uma feira de profissões.
  • Apenas 45% já haviam feito alguma visita a locais de trabalho ou participado de observação profissional, experiência que permite acompanhar de perto a rotina de uma profissão e entender suas principais atividades e exigências.
26 de junho de 2025
Carreiras desejadas por jovens não combinam com formação e oportunidades. Por quê?
WhatsApp