Crianças e adolescentes estão cada vez mais conectados à internet no país e a maioria acessa as redes sociais por um celular próprio, dentro de casa e várias vezes ao dia. É o que revela a pesquisa Tic Kids Online Brasil 2024, que coletou informações de mais de duas mil crianças e adolescentes de 9 a 17 anos, além de pais e responsáveis, em todo o país. O intuito é compreender como essa população utiliza a internet e como lida com os riscos e demais oportunidades dessa exposição. Os eixos pesquisados dizem respeito à conectividade, práticas, riscos e danos, habilidades para o uso e mediação parental.
Segundo o estudo, 93% das crianças e adolescentes estão online, sendo que 98% acessa por um celular, que virou o principal dispositivo eletrônico entre eles. Os dados revelam que essa população já começou a tentar deixar o celular de lado, mas não conseguiu. Desse modo, 16% afirmaram que já se sentiram mal por não estar na internet e 15% disseram que já deixaram de se alimentar ou de dormir por causa da internet.
A pesquisa também mostrou que 81% dessa faixa etária tem a “posse de celular”. Em todas as classes sociais, essa “posse” ultrapassou os 70%. Além disso, todos usam a internet em casa, exceto 3% de crianças e adolescentes das classes DE, conforme a referência da pesquisa.
Para Maria Mello, líder do Eixo Digital e coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, é preciso admitir que a tecnologia é uma realidade nas infâncias atuais e pode ser proveitosa, embora a maior parte dessa conexão seja passiva. “A pesquisa nos mostra que a maneira como crianças e adolescentes estão conectados no país estimula pouco a criatividade. Então, esses usos podem ser, muitas vezes, mediados por algoritmos que estimulam a publicidade”, explica.
Dentre as atividades mais recorrentes na internet estão a pesquisa para trabalhos escolares (86%), ouvir música (86%), assistir filmes ou séries (84%), jogos online (78%), redes sociais e aplicativos de mensagens (76%).
Youtube, Instagram e Whatsapp são as plataformas mais acessadas, sendo cada uma delas preferidas por uma faixa etária específica. Quem tem de 9 a 12 anos usa mais o Youtube, já os adolescentes de 13 a 14 anos usam mais o Instagram e depois o Whatsapp. Por fim, dos 15 aos 17 anos, o aplicativo de mensagens chega a 91% de uso, seguido do Instagram. O Tik Tok ainda é o menos acessado no país, porém, já faz parte do uso da metade dos entrevistados.
A maioria dessa população também se informa pela internet e quase metade já compartilhou algum texto, imagem ou vídeo. Ao mesmo tempo, demonstram compreender o que é verdade e o que é fake news. Assim, 53% afirmaram que sabem como verificar se um site é confiável e 47% sabem verificar se uma informação está correta. Quanto ao contato com desconhecidos, os meninos adolescentes, entre 13 a 17 anos, são os que mais conversam com pessoas que nunca viram pessoalmente. A interação acontece, na maior parte, nas redes sociais e no Whatsapp.
Com o acesso diário às redes sociais, vídeos e jogos, as propagandas sempre aparecem nas telas. Isso acaba estimulando o consumo precoce, como confirma a Tic Kids Online, com o dado de que 62% das crianças e adolescentes já pesquisaram coisas na internet para comprar ou para saber o preço, e 17% já fizeram compras online.
“As famílias precisam buscar se informar sobre os riscos que estão relacionados aos usos desmedidos e às aplicações de redes sociais. A partir disso, iniciar um diálogo com seus filhos”, sugere Mello. “Do ponto de vista mais prático, os pais podem utilizar os mecanismos de mediação e de filtragem, que impedem certos conteúdos e bloqueiam a publicidade”, explica.
No entanto, somente 28% dos pais sabem utilizar os recursos de bloqueio de anúncios e 9% deles disseram que deixam seus filhos realizarem compras online sozinhos, principalmente a partir dos 15 anos. Entre as crianças e adolescentes, menos da metade (42%) sabe como diferenciar conteúdo patrocinado e não patrocinado online, como em um vídeo ou em uma postagem em redes sociais.
Segundo a pesquisa, a maioria dos responsáveis olha o celular para ver o que os filhos estão fazendo e também coloca regras para esse uso. Assim, 60% dizem que verificam o histórico ou registro dos sites visitados pelos filhos e 70% dizem que conversam sobre o que fazem na internet. Porém, apenas 34% deles utilizam o recurso para bloquear ou filtrar alguns tipos de sites. Além disso, o hábito de olhar o celular para saber o que os filhos estão fazendo vai diminuindo conforme a idade avança na adolescência.
Outro dado importante sobre a mediação parental na internet é que 72% das crianças e adolescentes afirmaram que têm permissão dos responsáveis para usar redes sociais quando estiverem sozinhos. Já 62% podem postar fotos e vídeos em que aparecem. Ou seja, eles navegam cada vez mais autônomos e acabam aprendendo a usar as ferramentas sozinhos.
A Tic Kids, que é feita desde 2012, pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, com o apoio da Unesco, teve este ano indicadores novos. Por exemplo, saber o sexo de quem mais se preocupa com o uso da internet por crianças e adolescentes. Em todas as perguntas para investigar se os responsáveis começam uma conversa ou se pedem ajuda para uma situação na internet que não conseguem resolver, as mulheres foram maioria nessas iniciativas.
Diante desses números, que comprovam uma geração altamente ativa e com poucas regras dentro do mundo digital, a sociedade inteira percebe os reflexos. Desde as discussões sobre o uso de celulares nas escolas, e da expectativa de um projeto de lei sobre o assunto, até questões sobre cyberbullying, exposição aos discursos de ódio e vício em apostas online, as crianças e adolescentes estão no centro de uma onda digital, que deveria ter limites.
Maria Mello reforça que as famílias, no Brasil, ainda têm pouca condição para lidar sozinhas com essa superexposição online. “Por isso, se acharem que não têm disponibilidade e conhecimento para acompanharem seus filhos na internet, é possível repensar o acesso ilimitado de dispositivos eletrônicos”, argumenta.
Esta necessidade se dá diante de vários riscos contra os direitos das crianças e adolescentes. Dos usuários de 9 a 17 anos, 42% já viram alguém ser discriminado na internet, principalmente entre os adolescentes. Já 29% passaram por situações ofensivas, sendo que 31% contaram para pais ou responsáveis, 29% contaram para amigos da mesma idade e 13% não falaram para ninguém.
Portanto, para garantir a proteção das crianças e adolescentes na internet ainda é preciso mais comprometimento, principalmente em relação aos deveres do Estado, como afirma Mello. “Ainda que as famílias possam exercer essa mediação, temos que avançar nas cobranças do Estado e das empresas, para que tenham mais responsabilidade na garantia dos direitos à proteção de crianças e adolescentes”.