Lugar de criança é na natureza: proteção e resiliência diante da crise climática

Políticas focadas na proteção e no desenvolvimento infantil, que considerem as especificidades da primeira infância e a urgência climática, são imprescindíveis para fortalecer a resiliência das novas gerações e construir um futuro mais justo, seguro e saudável

Embora crianças e adolescentes estejam entre os grupos mais afetados pela crise, continuam amplamente excluídos dos espaços formais de negociação, desde processos que envolvem transformações em seus próprios bairros até fóruns internacionais, como as COPs (Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas). Devido à combinação de fatores relacionados ao desenvolvimento físico, emocional e cognitivo, as crianças são particularmente vulneráveis aos impactos de eventos climáticos extremos. Além disso, sofrerão consequências mais severas a médio e longo prazos. Isso reforça a urgência de desenvolver estratégias de adaptação e resiliência que atendam às suas necessidades específicas, protegendo-as tanto dos riscos imediatos quanto dos efeitos futuros das mudanças climáticas.

O desenvolvimento físico das crianças as torna mais suscetíveis a doenças relacionadas ao calor extremo, dificultando a regulação de sua temperatura corporal. Em desastres como inundações e tempestades, elas enfrentam maior risco de lesões, devido à dificuldade de escapar de áreas perigosas. Além disso, o colapso de infraestruturas essenciais, como escolas e hospitais, compromete o acesso à educação e aos cuidados médicos. Os efeitos psicológicos, como a ecoansiedade e estresse pós-traumático, também são significativos, assim como a interrupção da educação, evidenciada, por exemplo, em 2024, segundo a pesquisa “Aprendizagem Interrompida: Panorama Global das Interrupções Escolares Relacionadas com o Clima”, do Unicef, quando mais de 1,17 milhão de crianças no Brasil tiveram as aulas suspensas por eventos climáticos.

As crianças de famílias em situação de vulnerabilidade social enfrentam ainda mais dificuldades, como a falta de acesso a recursos básicos durante crises, o que agrava sua condição. Na primeira infância, especialmente as crianças com menos de 5 anos, a vulnerabilidade a doenças associadas às mudanças climáticas, como diarreia e doenças respiratórias, é significativamente maior. Esses riscos se intensificam em condições de calor extremo, poluição ou falta de saneamento adequado. Além disso, essa faixa etária tem menor capacidade de regular a temperatura corporal, o que aumenta o risco de desidratação e exaustão durante ondas de calor.

Alguns impactos da emergência climática nas crianças incluem:

Exposição ao estresse socioambiental e psicológico;

Interrupção da frequência escolar e rompimento de vínculos;

Insegurança alimentar;

Ameaça ao desenvolvimento social e cultural.

O lugar das crianças é na natureza, com saúde, segurança, paz e tranquilidade. Cuidar de sua proteção e bem-estar não é apenas um imperativo ético, mas também um passo fundamental para assegurar um futuro sustentável em um mundo cada vez mais afetado pela emergência climática

A injustiça climática refere-se à desigualdade nos impactos das mudanças climáticas, afetando de forma desproporcional grupos socialmente vulneráveis, como crianças, pessoas com deficiência, mulheres, idosos, pessoas negras e comunidades tradicionais. Aqueles que já se encontram vulnerabilizados pelas desigualdades socioeconômicas, residem em áreas de risco ou vivem em condições de pobreza são os mais afetados. Nesse contexto, o racismo ambiental emerge como um desafio adicional, exacerbando ainda mais as adversidades enfrentadas por essas populações, sobretudo as crianças, que são as mais expostas aos danos causados pelos fenômenos climáticos extremos.

No Brasil, há cerca de 40 milhões de crianças e adolescentes. Desses, 28,8 milhões vivem em situação de pobreza, e 33 milhões enfrentam privações em alguma dimensão essencial, como acesso à educação, moradia ou serviços de saúde, muitas vezes de forma severa. Essa realidade se torna ainda mais preocupante diante da emergência climática, que atinge com mais intensidade os países tropicais, marcados por alta exposição a eventos extremos e forte vulnerabilidade socioeconômica. No Brasil, os efeitos da crise climática são agravados por uma profunda desigualdade social e pelas condições ambientais precárias, como a falta de saneamento básico e de infraestrutura adequada, especialmente nos territórios mais periféricos.

Apesar de contribuírem menos para as emissões, os países do Sul Global são os que mais sofrem as consequências, aprofundando desigualdades e ameaçando o futuro das crianças. A realidade brasileira é especialmente desafiadora, pois as vulnerabilidades se sobrepõem e se intensificam, ampliando os riscos e perpetuando ciclos de exclusão.

Para enfrentar os impactos da emergência climática, é fundamental investir em infraestrutura resiliente, como escolas e unidades de saúde. Os bairros em áreas de risco, por exemplo, precisam criar planos de contingência e mecanismos de adaptação, como sistemas de alerta, rotas de fuga, abrigos climáticos e espaços de convivência comunitária. Além disso, políticas de adaptação climática, com foco na proteção e desenvolvimento das crianças, especialmente na primeira infância, são essenciais. Programas de educação climática e ambiental também são necessários para engajar a sociedade sobre o tema, com a inclusão transversal da educação ambiental e climática nos currículos escolares.

Para que as comunidades se adaptem com sucesso, é fundamental fomentar a participação e o engajamento comunitário, garantindo que crianças e adolescentes sejam protagonistas na construção de soluções criativas. Isso deve respeitar seu direito ao brincar livre na natureza, celebrar suas infâncias e valorizar suas vozes. A implementação de políticas interinstitucionais – integrando educação, saúde, assistência social e infraestrutura –, assim como o investimento contínuo em pesquisa, é essencial para identificar vulnerabilidades e necessidades emergentes.

Políticas focadas na proteção e no desenvolvimento infantil, que considerem as especificidades da primeira infância e a urgência climática, são imprescindíveis para fortalecer a resiliência das novas gerações e construir um futuro mais justo, seguro e saudável.

O lugar das crianças é na natureza, com saúde, segurança, paz e tranquilidade. Cuidar de sua proteção e bem-estar não é apenas um imperativo ético, mas também um passo fundamental para assegurar um futuro sustentável em um mundo cada vez mais afetado pela emergência climática.

Leila Maria Vendrametto é geógrafa e comunicóloga, especialista em Ecologia, Arte e Sustentabilidade e doutora em Ciência Ambiental no PROCAM/IEE/USP. É responsável pela coordenação do projeto Urbanizar e gerente do eixo Natureza no Instituto Alana.

Fonte: https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2025/06/02/lugar-de-crianca-e-na-natureza-protecao-e-resiliencia-diante-da-crise-climatica?utm_medium=email&utm_campaign=Nexo%20%20Hoje%20-%2020250605&utm_content=Nexo%20%20Hoje%20-%2020250605+CID_29c12e84ce6893651eca8e741acac0c1&utm_source=Email%20CM&utm_term=Lugar%20de%20criana%20%20na%20natureza%20proteo%20e%20resilincia%20diante%20da%20crise%20climtica

3 de julho de 2025
Lugar de criança é na natureza: proteção e resiliência diante da crise climática
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