O papel das secretarias de educação na redução das desigualdades

Para garantir direitos, é preciso ir além das políticas universalistas, que buscam atender às demandas dos estudantes de forma igualitária. Essas políticas, mesmo em casos de sucesso, tendem a deixar muitos estudantes de fora e mascaram desigualdades

Mesmo com enormes esforços e alguns avanços, é preciso reconhecer que temos muito a caminhar para oferecer uma educação de qualidade e com equidade para as crianças e adolescentes brasileiras. Também precisamos admitir que essa mudança é urgente. Ainda temos 2,5 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos fora da escola (Pnad/IBGE, 2022) e que, portanto, não estão tendo a oportunidade de se desenvolver como deveriam ou se beneficiar da escola enquanto espaço de proteção social.

Se considerarmos apenas as crianças e adolescentes que estão nas redes de ensino, a situação também está longe de ser satisfatória. No que diz respeito ao que estão aprendendo em Língua Portuguesa e Matemática, dados do Saeb (Inep, 2021) menos da metade dos alunos da rede pública atingiram em 2021 níveis de proficiência considerados adequados ao fim do Ensino Fundamental (35,5% em Língua Portuguesa e 17% em Matemática), sendo que os piores resultados são das redes municipais (31% de alunos com desempenho adequado em Língua Portuguesa e 13% em Matemática).

Ainda, quando se considera os dados por raça, nível socioeconômico e região do país, os dados ficam mais preocupantes. Esses fatores condicionam e diferenciam de maneira crucial as oportunidades de acesso, permanência e aprendizado de crianças, adolescentes e jovens nas redes de ensino.

Segundo a Unicef (2019), com base em dados do Censo Escolar, os estudantes negros, compostos pelos grupos de pretos e pardos, têm duas vezes mais propensão a deixar a escola do que os estudantes brancos, representando 48,4% da taxa de reprovação do país. Já os indígenas possuem maiores taxas de distorção idade-série/ano e abandono (46%), superando os 41% os que estão em atraso escolar. Regionalmente a desigualdade também se faz gritante, sendo que as regiões Norte e Nordeste concentram as maiores taxas de distorção idade-sério/ano (quase 55% estão em atraso escolar de dois ou mais anos); e, quando observados os estudantes com deficiência, 383 mil estão em distorção idade-série/ano, o que equivale a 49% dos alunos matriculados.

É preciso buscar a equidade e não a igualdade. E qual é a diferença? A igualdade é oferecer a todos a mesma coisa, já a equidade significa dar condições de acesso aos recursos que cada estudante precisa para estar na escola, aprender e se desenvolver

Em termos de aprendizagem, análise dos dados da prova Saeb (Inep, 2015-2019), mostra que desigualdade entre alunos brancos e negros se mantém nos mesmos patamares desde 2007, primeiro ano de cálculo do Ideb e de aplicação da prova nos moldes vigentes. Em 2007, o percentual de alunos brancos que tiveram desempenho pelo menos adequado na prova de Matemática era 13%, aumentando para 16% em 2015 e chegando a 26% em 2019. Já o percentual de alunos negros com esse mesmo desempenho era de 7% em 2007 (7 pontos percentuais a menos que os brancos), aumentando para 11% em 2015 (8 pontos percentuais a menos) e chegando apenas a 16% em 2019 (9 pontos percentuais a menos). Ou seja, mesmo com ganhos de aprendizado dos dois grupos de alunos, a distância entre eles aumentou ao longo dos anos.

Vale ressaltar que essa situação foi agravada pela grave crise sanitária que vivenciamos a partir de 2020, que fez com que o acesso às atividades pedagógicas não presenciais e à tecnologia e as condições de saúde mental da comunidade escolar aumentassem o risco de evasão escolar, além de terem impactado a aprendizagem.

Esse cenário de desigualdades persistentes indica que são necessárias políticas e programas educacionais que possuam direcionamento claro para enfrentá-las. Ou seja, sem esse foco específico, o acesso, o aprendizado e a permanência dos alunos podem ter seus indicadores melhorados, como no caso do desempenho na prova Saeb, mas mantendo a distância entre os grupos de alunos por gênero, raça e classe intactas. Nesse sentido, todas as etapas e espaços da gestão educacional, enquanto estruturas que oferecem o serviço para os alunos, precisam incorporar em seu trabalho o empenho de redução das desigualdades.

Para garantir direitos, é preciso ir além das políticas universalistas, que buscam atender às demandas dos estudantes de forma igualitária. Essas políticas, mesmo em casos de sucesso, tendem a deixar muitos estudantes de fora e mascaram desigualdades. É preciso buscar a equidade e não a igualdade. E qual é a diferença? A igualdade é oferecer a todos a mesma coisa, já a equidade significa dar condições de acesso aos recursos que cada estudante precisa para estar na escola, aprender e se desenvolver. Para isso é preciso reconhecer que existem diferenças que dificultam ou impedem o acesso e aprendizagem de qualidade para muitos estudantes.

Nesse sentido, é importante resgatar o papel das secretarias de educação, sejam municipais ou estaduais, enquanto responsáveis pela oferta educacional nos seus territórios. Diante de tamanha desigualdades, o gestor municipal da Educação, em conjunto com sua equipe técnica, assume uma função estruturante e estratégica, pois é a partir do seu trabalho articulador que as políticas públicas locais devem garantir o direito de aprender de todos e de cada uma das crianças, adolescentes e jovens do município.

As secretarias de educação enfrentam diversos desafios na realização do seu trabalho, entre elas a necessidade de desenvolver e implementar currículos pedagógicos, a gestão financeira e de recursos, a valorização e a formação continuada dos profissionais da Educação, entre outras. Muitos gestores de educação, especialmente em municípios pequenos, saem diretamente da sala de aula para assumir a secretaria e não têm expertise em gestão. Soma-se a esses desafios a ausência de um Sistema Nacional de Educação e, portanto, de uma organização federativa sistêmica. Isso torna a autonomia dos municípios, garantida pela Constituição, uma situação de isolamento para lidar com suas dificuldades.

Sem dúvida, é importante mencionar que a aprovação do Novo Fundeb demonstra um avanço significativo na pauta de financiamento da Educação Básica. Ele prevê a redistribuição dos recursos de forma contínua e constitucional e, principalmente, mais equitativa, ou seja, chegando a muitos municípios mais vulneráveis. Ainda assim, as questões relativas à gestão e oferta educacional nos territórios só poderão ser endereçadas de maneira aprofundada se for dada uma atenção específica ao que ocorre nas secretarias de educação.

Pesquisas realizadas pelo Itaú Social, ao longo dos últimos anos, sobre diferentes reformas educacionais que tiveram resultados positivos no Brasil e no exterior apontam para alguns aspectos em comum que podem ser pontos de partida para alavancar mudanças significativas em redes de ensino que buscam a melhoria dos indicadores de acesso, permanência e aprendizagem de seus estudantes.

Essas pesquisas mostram que, mesmo frente a recursos financeiros escassos, condições adversas e normalmente imprevisíveis, redes de ensino que investem nesses fatores têm maiores chances de promover impacto significativo na aprendizagem com equidade. Entre os pontos que favorecem as mudanças estruturais estão:

  • Garantia de boa Infraestrutura básica para todas as escolas;
  • Proposta pedagógica e curricular para a rede ou sistema de ensino que dialogue com os projetos políticos pedagógicos das escolas, com explicitando as expectativas básicas de aprendizagem bem definidas;
  • Estratégias direcionadas de promoção da equidade, de forma a garantir que todos os estudantes tenham acesso à escola, condições que favoreçam sua permanência na escola e aprendizado de qualidade para todos independente da condição econômica, de gênero, raça ou etnia;
  • Políticas e mecanismos de desenvolvimento, valorização e reconhecimento dos profissionais da educação;
  • Programas de formação continuada que desenvolvam competências e atendam aos desafios práticos dos diferentes profissionais da rede;
  • Diálogo e articulação entre diferentes secretarias;
  • Apoio às equipes escolares no fortalecimento da relação com as famílias e a comunidade;
  • Mobilização e articulação de lideranças, como secretários, prefeito, governador, na proposta de melhoria de ensino.

As estratégias específicas para promoção da equidade, apesar de estarem destacadas separadamente, só são efetivas se forem transversais e estejam presentes em todas as demais estratégias e temáticas de gestão. Se as ações das secretarias tiverem como objetivo promover a equidade na educação no município, elas precisam ter foco claro e atuação diferenciada para cada grupo vulnerável, por nível socioeconômico, raça/cor, gênero e deficiência.

Alguns exemplos de ações que podem ser adotadas com olhar focalizado por grupos, em diferentes dimensões de gestão incluem: implementação de critérios claros para priorização da oferta de vagas em creches; programas para melhorar a frequência escolar e resgatar crianças e adolescentes que estão fora da escola; utilização de dados de aprendizado para orientar ações pedagógicas e elaboração de materiais para apoiar gestores e professores no planejamento dessas ações; acompanhamento dos resultados de escolas e implementação de intervenções corretivas; e desenvolvimento de programas ou ações específicos de redução das desigualdades nas escolas ou creches para grupos vulneráveis.

Além disso, é fundamental que as secretarias coloquem a questão das desigualdades na agenda do debate educacional no município e desenvolvam ações para a implementação das leis 10.639 e 11.645, referentes à incorporação no currículo do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas escolas.

Finalmente, entende-se que as desigualdades na aprendizagem podem permanecer e até aumentar mesmo que as médias gerais nas notas de desempenho cresçam. Isso é bem ilustrado pelo caso das diferenças entre alunos brancos e negros brasileiras nas notas do Saeb para Matemática e Língua Portuguesa desde 2007, em que mesmo com ganhos de aprendizado para ambos os grupos, a distância entre eles aumentou. Portanto, é imprescindível que as secretarias de Educação – atores centrais na oferta da educação nos territórios – desenhem e implementem políticas, programas e práticas educacionais direcionadas, que devem ir além das políticas universalistas e buscar a equidade, dando as condições que cada estudante precisa para estar na escola, aprender e se desenvolver integralmente.

BIBLIOGRAFIA

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: PNAD: microdados. 2022.

Fonte: https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2023/O-papel-das-secretarias-de-educa%C3%A7%C3%A3o-na-redu%C3%A7%C3%A3o-das-desigualdades

3 de julho de 2023
O papel das secretarias de educação na redução das desigualdades
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