Os sobre-educados no mercado de trabalho brasileiro

A proporção de trabalhadores sobre-educados no Brasil é elevada e apresenta trajetória crescente, trazendo desafios sociais e econômicos para o desenvolvimento do país

Entre os vários benefícios proporcionados pelo progresso educacional de um indivíduo, pode ser citada a capacidade adquirida para desempenhar tarefas mais complexas no mercado de trabalho. Um fato que tem gerado preocupação por parte tanto de pesquisadores quanto de formuladores de política, porém, é o grande contingente de trabalhadores com escolaridade maior que a necessária nas suas respectivas ocupações. Esses indivíduos são classificados normalmente na literatura econômica como trabalhadores sobre-educados. Essa situação pode indicar uma alocação ineficiente dos recursos produtivos da economia, com possíveis consequências negativas para os próprios trabalhadores, e para as firmas.

A sobre-educação costumava ser associada principalmente à situação dos jovens com ensino superior nos países mais desenvolvidos. Para países em desenvolvimento, os estudos eram mais escassos, contribuindo para isso a dificuldade para se obter informações que permitam classificar os trabalhadores como sobre-educados. Evidências mais recentes têm mostrado, porém, que uma fração elevada dos trabalhadores nos países em desenvolvimento se encontra na condição de sobre-educação, em muitos casos em proporções até superiores à de países desenvolvidos.

No Brasil, a disponibilidade de informações que permitem classificar os trabalhadores como sobre-educados pode ser apontada como uma vantagem em relação não apenas a diversos países em desenvolvimento, mas também em comparação com muitos países desenvolvidos, contribuindo para o desenvolvimento de estudos sobre o tema. A Classificação Brasileira de Ocupações (2010), do Ministério do Trabalho e Emprego, fornece a escolaridade necessária para o desempenho adequado das atividades em cada uma das ocupações no Brasil.

A escolaridade média da força de trabalho brasileira tem aumentado nas últimas décadas, mas a demanda por trabalhadores mais qualificados não parece ter acompanhado esse avanço. De acordo com dados da PNAD contínua, a proporção de trabalhadores sobre-educados no Brasil é elevada e apresenta trajetória crescente, tendo passado de 26% para 37% entre 2012 e 2023. Nota-se também que a sobre-educação é bem maior entre os jovens. Em 2023, 45% dos indivíduos ocupados com idade entre 21 e 34 anos se encontravam em ocupações com exigência educacional menor que a alcançada por eles. Para os indivíduos com idade entre 35 e 70 anos, essa porcentagem é 10 pontos percentuais menor.

Avanços na qualidade do ensino, assim como uma melhor adequação dos cursos às necessidades do mercado de trabalho, e a expansão do ensino profissionalizante são medidas que devem contribuir para reduzir a elevada taxa de sobre-educação que se observa no Brasil

Trabalhadores na condição de sobre-educação apresentam, em geral, maior insatisfação com o emprego, assim como possuem taxas mais elevadas de rotatividade. O aspecto negativo da sobre-educação mais investigado é a sua consequência sobre os rendimentos do trabalho. Indivíduos em ocupações cujas necessidades educacionais são menores que o nível educacional que completaram recebem, em média, rendimentos inferiores aos indivíduos com os mesmo anos de estudo, mas em ocupações adequadas para essa escolaridade. Algumas evidências para o Brasil mostram, por exemplo, que um ano adicional de estudo que não é acompanhado por um aumento equivalente na necessidade da ocupação proporciona um ganho na remuneração correspondente a metade do ganho proporcionado por um ano a mais de estudo que é acompanhado por um ano adicional na necessidade da ocupação. Esse resultado indica que uma parte do investimento educacional não é plenamente aproveitada no mercado de trabalho para os indivíduos em situação de sobre-educação.

Inicialmente, a sobre-educação costumava ser muito associada a uma situação transitória, em que os jovens aceitavam empregos com menor exigência educacional para ingressar no mercado de trabalho, mas posteriormente transitavam para ocupações compatíveis com os seus níveis de escolaridade. Estudos mais recentes, no entanto, têm mostrado que não é bem isso que acontece. A sobre-educação teria mais persistência do que se acreditava, e esses jovens ingressantes ficariam presos por mais tempo nessa situação, com todas as consequências negativas a ela associadas.

São importantes mudanças estruturais na economia, com as reformas econômicas necessárias, e o incentivo a atividades mais intensivas em trabalho qualificado, que permitam a criação de postos de trabalho de melhor qualidade, oferecendo assim mais oportunidades para os jovens

Vários fatores podem ser citados como potenciais responsáveis pela elevada incidência de sobre-educação no mercado de trabalho brasileiro. Uma questão que é sempre apontada no debate relacionado a esse tema se refere à relação entre escolaridade e capacidade produtiva de trabalhador. Completar determinados anos de estudos nem sempre significa adquirir os conhecimentos necessários para desempenhar certa atividade. Uma parte da sobre-educação nos países em desenvolvimento tem sido associada na literatura à qualidade do sistema educacional desses países, que não teria capacidade de oferecer as competências necessárias para atuar no mercado de trabalho. Relacionada a essa mesma questão, pode ser citada também a falta de sintonia entre o aprendizado adquirido na escola ou na universidade e as necessidades por parte dos empregadores.

Avanços na qualidade do ensino, assim como uma melhor adequação dos cursos às necessidades do mercado de trabalho, e a expansão do ensino profissionalizante são medidas que devem contribuir para reduzir a elevada taxa de sobre-educação que se observa no Brasil. São importantes também, mudanças estruturais na economia, com as reformas econômicas necessárias, e o incentivo a atividades mais intensivas em trabalho qualificado, que permitam a criação de postos de trabalho de melhor qualidade, oferecendo assim mais oportunidades para os jovens.

BIBLIOGRAFIA

Carvalho, S. e M. Reis (2024). A evolução da sobre-educação no Brasil e o papel do ciclo econômico entre 2012 e 2022. Texto para Discussão do IPEA.

Diaz, M. D. M. e L. Machado (2008). Overeducation e undereducation no Brasil: incidência e retornos. Estudos Econômicos, v. 38 (3).

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Reis, M. (2017)…

Fonte: https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2024/05/07/os-sobre-educados-no-mercado-de-trabalho-brasileiro

20 de junho de 2024
Os sobre-educados no mercado de trabalho brasileiro
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